domingo, 16 de agosto de 2009

Os sofistas

Os Sofistas

Em meados do séc V a.C., em Atenas, um grupo de intelectuais escandalizou os filósofos da época ao fazer do saber uma profissão, oferecendo aulas de retórica e eloquência aos jovens da classe dirigente que pretendiam fazer carreira política. Esse grupo foi chamado de Sofistas (do grego sophistés, que significa sábio)
Excerto extraído de Antologia Ilustrada de Filosofia - Ubaldo Nicola
Os Sofistas ficaram ligados a um conceito pejorativo de mercenários do saber, no entanto recentes estudos históricos os apontam como pensadores originais que contribuíram em muito para a Filosofia como um todo. Nessa seção iremos apresentar textos que confirmam e/ou desmistificam essa visão pejorativa, bem como analisar o pensamento sofista no contexto sócio-político-econômico vivido pela Grécia no período em que eles viveram.
Texto extraído na íntegra do livro: Marcondes, Danilo – Iniciação à História da Filosofia: dos Pré-Socráticos a Wittgenstein – 10ª Edição – Zahar Editores - 2006 - páginas 42, 43 e 44 mais Notas.
Os sofistas surgem exatamente nesse momento de passagem da tirania e da oligarquia para a democracia. São os mestres de retórica e oratória, muitas vezes mestres itinerantes, que percorrem as cidades-estados fornecendo seus ensinamentos, sua técnica, suas habilidades aos governantes e aos políticos em geral. Embora sem formar uma escola ou grupo homogêneo, o que os caracteriza é muito mais uma prática ou uma atitude comuns do que uma doutrina única. Há portanto uma paideia, um ensinamento, uma formação pela qual os sofistas foram responsáveis, consistindo basicamente numa determinada forma de preparação do cidadão para a participação na vida política. Sua função nesse contexto foi importantíssima e sua influência muito grande, o que se reflete na forte oposição que sofreram por parte de Sócrates, Platão e Aristóteles. Os sofistas foram portanto filósofos e educadores, além de mestres de retórica e de oratória, embora este papel lhes seja negado, p.ex. por Platão. É difícil por isso mesmo termos uma avaliação mais concreta de sua função e mesmo de sua concepção filosófica e pedagógica. Além de termos uma situação semelhante à dos pré-socráticos quanto aos textos dos sofistas, isto é, tudo o que nos resta são frag­mentos, citações, testemunhos, esta dificuldade se agrava pelo fato de que, em grande parte, a maioria destas citações e testemunhos nos chegaram através de seus princi­pais adversários, Platão e Aristóteles, que pintaram um retrato bastante negativo desses pensadores. Os próprios termos "sofista" e "sofisma"3 acabaram por adquirir uma conotação fortemente depreciativa, embora "sofista" inicialmente significasse tão-somente "sábio". Apenas recentemente os intérpretes e historiadores têm procu­rado revalorizar a contribuição dos sofistas, através de uma visão mais isenta e objetiva de suas doutrinas, bem como de seu papel, influência e contribuição à filosofia e aos estudos da linguagem.4
Os principais e mais conhecidos sofistas foram Protágoras de Abdera (c.490-421 a.C.), Górgias de Leontinos (c.487-380 a.C.), Hípias de Elis, Licofron, Pródicos, que teria sido inclusive mestre de Sócrates5, e Trasímaco, embora tenham existido muitos outros dos quais conhecemos pouco mais do que os nomes.
Nossa análise irá se concentrar em Protágoras e em Górgias, que foram talvez os mais importantes e influentes sofistas, e dos quais Platão nos legou um retrato bastante elaborado nos diálogos Protágoras e Górgias, respectivamente.
O principal e mais conhecido fragmento de Protágoras é o início de sua obra sobre a verdade, quando afirma: "O homem é a medida de todas as coisas, das que são como são e das que não são como não são."6 Esse fragmento de certa forma sintetiza duas das idéias centrais associadas aos sofistas: o humanismo e o relativismo. Protágoras parece assim valorizar um tipo de explicação do real a partir de seus aspectos fenomenais apenas, sem apelo a nenhum elemento externo ou transcendente. Isto é, as coisas são como nos parecem ser, como se mostram à nossa percepção sensorial, e não temos nenhum outro critério para decidir essa questão. Portanto, nosso conhecimento depende sempre das circunstâncias em que nos encontramos e pode, por isso mesmo, variar de acordo com a situação. Protágoras aproxima-se assim bastante dos mobilistas, de quem pode ter sofrido influência, e afasta-se da visão eleática de uma verdade única.
Essa concepção da natureza humana e do conhecimento parece estar subjacente á visão política de Protágoras e a seu recurso à retórica e à dialética enquanto arte ou técnica do discurso argumentativo. Portanto, pode-se dizer que sofistas como Protágoras não eram meros manipuladores da opinião, mestres sem escrúpulos que vendiam suas habilidades retóricas a quem pagasse mais, mas, ao contrário, acreditavam não haver nenhuma outra instância além da opinião a que se pudesse recorrer para as decisões na vida prática, as quais deveriam ser tomadas com base na persuasão a fim de produzir um consenso em relação às questões políticas. Tipicamente, em uma discussão na Assembléia ninguém detinha a verdade em um sentido completo e absoluto, simplesmente porque isso não seria possível; mas todos tinham suas razões, seus interesses, seus objetivos, procurando defendê-los da melhor forma possível. O processo decisório envolvia, entretanto, a necessidade de superação das diferenças e a convergência de interesses e objetivos, para que se pudesse produzir um consenso, e era para esse fim que a retórica e a dialética deveriam contribuir.
A técnica argumentativa de Protágoras se encontra sobretudo em seu tratado Antilogia, em que desenvolve a antilógica como tentativa de argumentação pró e contra determinada posição, sendo ambas igualmente verdadeiras e defensáveis. Isso pode constituir uma técnica de desenvolvimento de argumentos opostos, pode ter um sentido de preparação para a discussão e o debate em que aquele que argumenta deve procurar antecipar todas as possíveis objeções à sua posição —, mas também pode partir da concepção de que há sempre contradições latentes nas crenças comuns dos indivíduos, que podem ser explicitadas por meio dessa técnica argumentativa. Embora essa obra de Protágoras tenha se perdido, há um tratado de autor desconhecido, possivelmente do séc. IV a. C, intitulado Dissoi logoi ("Os argumentos duplos"), que ilustra bem esse tipo de argumentação.
GÓRGIAS foi considerado um dos maiores oradores e principais mestres de retórica de sua época. Oriundo da Sicília, viajou extensamente por toda a Grécia ministrando suas lições, sempre regiamente pagas. É importante sua contribuição ao desenvolvimento dos diferentes estilos da oratória grega, sobretudo o encomium, o elogio, notabilizando-se o seu Elogio a Helena, em que parodia Homero, a Oração fúnebre, em que celebra o herói ou cidadão ilustre em seu funeral, e a apologia, ou defesa, destacando-se a Apologia de Palamedes. Em seu famoso tratado Da natureza ou Do não-Ser, Górgias defende a impossibilidade do conhecimento em um sentido estável e definitivo, afirmando no fragmento I que "Nada existe que possa ser conhecido; se pudesse ser conhecido não poderia ser comunicado, se pudesse ser comunicado não poderia ser compreendido". Górgias dá grande importância ao logos enquanto discurso argumentativo, e em seu Elogio a Helena faz a famosa afirmação: "O logos é um grande senhor." Entretanto, de certa maneira o logos é sempre visto como enganoso, já que não podemos ter acesso à natureza das coisas, mas tudo de que dispomos é o discurso, como fica claro no fragmento citado acima. O logos, contudo, pode ser persuasivo, e Górgias chega mesmo a sustentar que mais importante do que o verdadeiro é o que pode ser provado ou defendido.
Os sofistas deram uma grande contribuição ao desenvolvimento dos estudos da linguagem na tradição cultural grega. Seu interesse pela elaboração e proferimento do discurso correto e eficaz levou-os a investigar a língua grega e a iniciar seu estudo sistemático, através da divisão das partes do discurso, do estabelecimento da análise etimológica, examinando o significado e a origem das palavras (a famosa questão da "correção dos nomes" que Platão retoma no diálogo Crátilo), bem como a tradição literária anterior, sobretudo a poesia épica de Homero e Hesíodo, que lhes fornecia boa parte dos recursos estilísticos — imagens, metáforas, figuras de linguagem — para seus discursos. Pode-se dizer, assim, que o interesse pela retórica e pela oratória motivou o desenvolvimento dos estudos de poética e gramática.
Notas
(...) 3. 0 modo de argumentar típico dos sofistas, segundo Aristóteles, sobretudo em seu tratado Refutações sofisticas. 4. Ver a este respeito, p.ex., Barbara Cassin, Ensaios sqfísticos, São Paulo, Siciliano, 1990. 5. Segundo lemos nos diálogos platônicos Protágoras (341a4) e Ménon (96d7). A numeração entre parênteses, encontrada em todas as boas edições dos diálogos de Platão, corresponde à paginação da edição de Henn Etienne (Stephanus), Paris, 1578, usada como padrão para uniformizar as citações, tendo cm vista o grande número de edições dos Diálogos. As letras (a, b, c, d, c) às vezes também encontradas, referem-se às colunas dessa edição, e o número após as letras, às linhas do texto. 6. Cuja fonte é o diálogo de Platão Teeteto (152a), em que essa concepção é criticada.

Um comentário:

  1. Gostaria de saber com relação a numeração encontrada no Crátilo de onde você retirou esta informação, pois já pesquisei e não encontrei nada sobre o assunto a não ser esse seu comentário.

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Professora do Calvoso e de Filosofia e Sociologia há 14 anos.